Quando o Criador concluiu a sua grande obra, Ele parou para descansar.Deitado na rede da sua varanda, lá do alto, orgulhoso, olhava para a grande planície e admirava os seres por Ele criados. Observando a desenvoltura de cada um, avaliou: já fiz a minha parte; agora é a busca da perfeição com o próprio esforço individual.
Mas como motivá-los para a melhoria contínua?
Surgiu, então, a idéia divina de fazer, a cada quatro anos, uma grande olimpíada nas modalidades terra, água e ar. Assim, todos buscariam ultrapassar a sua própria marca e os recordes apareceriam como resultado dos esforços. Estava traçado o caminho para a perfeição.
Não deu outra. Virou um jogo de cartas marcadas. A cada olimpíada, o resultado já não tinha mais graça para ninguém. Na modalidade terra o campeão sempre era o cavalo, com sua velocidade e galhardia. No ar a águia era imbatível. E na modalidade água o mar sempre estava para peixe.
Após o encerramento da IV Olimpíada Celestial, e como inovação a ser introduzida na V, foi estabelecida a modalidade do triatlo de terra, água e ar, para quem quisesse competir. Se cada um era o bom no seu ramo de competência, então quem seria o bom geral? Estava lançada a idéia da multifunção.
Foram quatro anos de treinamento intensivo. Chegado o grande dia, algo de novo aconteceu.
O cavalo, ao tentar alçar voo, despencou do despenhadeiro. Tardiamente descobriu que cavalos alados, só na mitologia grega e nos contos de fadas.
O peixe, coitado, não teve fôlego nem para cem metros sobre a grama. Não adiantou a ajuda de uma torcida organizada que o incentivava ao coro de “Como pode um peixe vivo viver fora da água fria…”
E a águia já não era mais aquela. Quebrou a cara, aliás, o bico, quando deu um rasante sobre o espelho d’água.
E aí, surgiu o grande campeão da modalidade triatlo. Um choque geral que arrepiou todo mundo. Sabe quem ganhou?
O pato!
Mas logo o pato?
Tinha problemas no seu sistema de frenagem, derrapava nas curvas e ia de bico ao chão. Era um vexame, mas não desistia e nem ligava para a torcida que gritava: “acelera, Ayrton”! O seu vôo era uma verdadeira apologia à lei da gravidade. Ficava todo mundo esperando para ver a hora que ele ia se esborrachar no chão. E a etapa da água? Madorrento, nadando para lá e para cá, sem pressa e preocupação com onde e quando chegar.
No pódio, criador e criatura não se reconheceram. Era tarde demais. A “coisa” já estava feita.
Nasceu, então, o primeiro generalista.
A historinha serve para ilustrar uma situação muito comum nas empresas. Modelos e modismos organizacionais surgem todo dia, complicando a vida dos administradores que ficam ao sabor das ondas. Um dia é estrutura horizontal, outro é downsizing, depois é reengenharia, empowerment, qualidade total e tantas outras denominações. Atrás dessas bandeiras surgem algumas conseqüências que atingem em cheio os profissionais que atuam nas organizações. De uma hora para outra, jogam-lhes na cara que eles têm que ser empreendedores, ousados, educadores etc. e, ainda por cima, precisam deixar de ser especialistas, caso contrário não se encaixam no conceito de empregabilidade. Empregáveis, agora, só os generalistas, dizem por aí.
Muitas dessas coisas são verdadeiras. Outras, meras confusões conceituais. Algumas são antigas com nova roupagem. Têm aquelas que são somente parte de um conceito maior. E, também, existem os surfistas organizacionais, que não podem perder uma onda, mesmo não sabendo onde ela vai se arrebentar.
O tema do profissional moderno – com ênfase para os que exercem função gerencial -, como generalista, contrapondo ao especialista, faz parte dos novos conceitos organizacionais. Tem sido mal interpretado, muitas vezes de forma irresponsável. Chega-se ao ponto de, face à esta pregação, pensarmos que o perfil ideal do gerente é aquele que entende nada de tudo. Basta ter as famosas habilidades gerenciais para ocupar qualquer cargo.
A verdade é que, nas organizações sempre haverá lugar reservado para o cavalo, o peixe e a águia, nos seus limites de competência, com a proficiência necessária e cada vez mais aperfeiçoados.
Também os cargos gerenciais exigem especialização. O generalista passa a ser aquele que domina duas ou mais áreas de conhecimento e tem “cultura” suficiente para entender as demais de forma a permitir a sua integração e promover a sinergia para atingir os resultados. O bom generalista é o multiespecialista. O verdadeiro campeão de triatlo.
Pausa para meditação: será que o se quer é uma organização formada por patos, onde tudo é mais ou menos? Ou ainda, é isso que as estratégias e demais diretrizes estão ditando para que sejam traduzidas e especificadas as características do perfil profissional?