Construir organizações de bem-estar, e não de competitividade, tornou-se dogma organizacional. É o passo inicial para a concepção que o empregado necessita ser seduzido, conquistado e motivado para realizar bem o seu trabalho. Surge, então, o RH sonhático, idealizando uma organização responsável pela felicidade e satisfação de todos. Por ser neologismo, ainda sem acepção clara, o termo sonhático é aqui adotado em uma de suas variações, significando a situação onde os aspectos dogmáticos colocam-se à frente da performance e promovem o distanciamento do pragmatismo.
Muitas áreas de RH se enveredam por esse caminho. Sustentadas por enunciados de políticas, valores e competências comportamentais de conteúdos às vezes utópicos ou exortativos e nem sempre compartilhados pelos controladores, usam de programas para motivar empregados e se esquecem dos resultados empresariais. Esforçam-se para construir declarações de valor em relação ao empregado e não se lembram do papel primordial de adicionar valor ao negócio e atender necessidades e expectativas dos stakeholders.
Estar motivado não é um favor a ser feito à organização. A ideia que não se deve medir esforços para motivar as pessoas, além de tarefa de Sísifo, é uma visão romantizada do RH. Tal abordagem para a relação empregado-empresa configura-se em equívoco, uma vez que não é buscado o entendimento que o elemento motivador é o trabalho em si e seu significado. E pouco adianta acender a luz vermelha e armar operação de socorro cada vez que alguém disser estar desmotivado, sem cogitar medidas gerenciais alternativas. Mesmo quando o desmotivado faz parte da lista de talentos alvos de atenção diferenciada na retenção. Em alguns casos, a declaração do desmotivado cheira chantagem visando benefícios adicionais.
Certamente, a questão requer abordagem mais racional e menos romântica. Afinal, a virtude está no meio-termo, já dizia Aristóteles. Embora a tentativa de racionalizar o pensamento sobre RH, trazendo-o para o campo do real e suportado pela lógica de resultados, esbarre em posições defensivas do tipo: “com pessoas não é bem assim”; “é muito mais complexo”; “não é matemática e não pode sair por aí colocando número em tudo” etc. Quando o assunto segue por esse caminho, já se sabe aonde vai chegar… Mais uma vez, foge-se da mensuração de resultados em termos de competitividade empresarial para cair na de bem-estar dos empregados como único fim.
Essa situação caracteriza o desvirtuamento de um instituto concreto e bilateral: o contrato de trabalho. Nele são estabelecidos direitos e deveres para ambas as partes, cuja quebra do acordado implica em penalidades, ainda que algumas cláusulas sejam tácitas ou parte do contrato psicológico, a exemplo da garantia de bom ambiente de trabalho e relações respeitosas entre as partes. Em certas circunstâncias, em vez de encarar o empregado desmotivado e desengajado como vítima desprotegida, este deve é ser chamado à responsabilidade por não estar cumprindo a sua parte do combinado. Desse modo, a organização torna-se menos permissiva diante de atitudes e comportamentos inadequados.
Motivação, bem como as boas práticas de gestão de pessoas, é necessária para enfrentar desafios e realizar o trabalho. Mas a sua ausência não pode ser argumento para justificar determinadas atitudes e baixo rendimento. Bem-estar, sim, mas com mais desempenho, competitivos e menos pregação!
Estar motivado não é um favor que se faz à organização.
Publicado coluna Mercado de Trabalho – Estado de Minas – 09/11/2014